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Luís Alberto Alves/Hourpress

terça-feira, 24 de maio de 2011

Bezerra da Silva: retrato fiel da sociedade brasileira

Retrato dos problemas sociais. Essa era a especialidade do sambista Bezerra da Silva. Considerado por muitos, como embaixador dos morros e favelas. Após ser abandonado pelo pai, que era da Marinha Mercante, veio morar no Rio de Janeiro. Era a década de 1950, com 23 anos fixou residência no Morro do Cantagalo, onde trabalhava como pintor na construção civil.
Logo entrou num bloco carnavalesco. Sua facilidade para tocar instrumento de percussão o levou à Rádio Clube do Brasil. Mas como a maré não estava para peixe, acabou parando na rua, onde viveu como mendigo durante sete anos.
Após sair do baixo astral, conseguiu gravar um compacto simples (disco com uma faixa de cada lado) em 1969 e depois seu primeiro LP (disco com 12 faixas) seis anos depois.
Por causa de sua vida sofrida, começou a ser abastecido por compositores anônimos, em letras repletas de gírias, que despertaram a curiosidade do público. Com a retaguarda do conjunto Nosso Samba ( que durante muitos anos acompanhou Clara Nunes), Bezerra da Silva transformou letras esquisitas em verdadeiros sambas de partido alto. Os solos de cavaquinho de Carlinhos do Cavaco e o vocal das meninas "As Gatas" deixavam as músicas bonitas, resultando em grandes vendas e polêmicas.
Como metralhadora giratória, Bezerra da Silva atirava para todos os lados. O samba "A Semente" falava de um homem que havia plantado maconha no quintal de casa e jurou que desconhecia a plantação. "Meu vizinho jogou/ uma semente no seu quintal/de repente brotou/ um tremendo matagal/ quando alguém lhe perguntava/ que mato é esse que eu nunca vi/ ele só respondia: "Não sei, não conheço, isso nasceu ai.." Anos mais tarde, a música foi regravada pelo Barão Vermelho, com direito a participação do próprio Bezerra da Silva.
Em "Candidato Caô Caô", ele mirou os políticos oportunistas, que fingem se interessar pelos problemas da população, mas após a eleição desaparecem da periferia. "Ele subiu o morro sem gravata/dizendo que gostava da raça/foi lá na tendinha/ bebeu cachaça/até bagulho fumou/foi no meu barracão/ e lá usou/lata de goiabada como prato/eu logo percebi/ é mais um candidato/ às próximas eleições.."
Antecipando as mulheres alpinistas, de olhos no lado financeiro ou ótimo emprego nas relações amorosas, em 1975 gravou o partido alto "Piranha". Em um dos trechos, Bezerra da Silva faz a radiografia da pilantragem enrustida de amor..."Quando tava de bola cheia/a vida dela era só me beijar/mas depois que eu fiquei duro/a malandra demais me tirou do ar/eu só sei que a mulher é igual a cobra/tem veneno de peçonha/deixa o rico na miséria/ e o pobre sem vergonha..."Qualquer semelhança com alguns romances destacados na mídia ou mesmo na vizinhança ou dentro das empresas, é mera coincidência.
O curioso é que Bezerra da Silva trabalhou muitos anos na Orquestra da Rede Globo, responsável pelos jingles de todos os programas exibidos na emissora. Ali, ele era instrumentista. Certa feita, um crítico maldoso o chamou de pagodeiro. A resposta veio queimando: "Na literatura musical não existe o nome pagode como gênero musical. Existe samba, compasso dois por quatro. Sou sambista e sei ler partitura. Ele conhecia música. Uma vez apareceu em um dos programas da Globo, tocando no piano o clássico dos Beatles: "Let It Be".
Em 17 de janeiro de 2005, Bezerra da Silva morreu, deixando uma verdadeira radiografia da perversa sociedade econômica brasileira, onde poucos têm muito e muitos têm pouco.

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