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Luís Alberto Alves/Hourpress

quinta-feira, 20 de março de 2014

Racionais MC´s: A essência do RAP do Brasil




O Racionais MC´s já entrou para história do RAP mundial

 Luís Alberto Alves

 Quando se fala de RAP no Brasil e até nos Estados Unidos é impossível deixar de citar Racionais MC´s. Até o nome do grupo mostra personalidade, numa época em que o emocional domina a razão, e o correto seria o inverso. Surgiram no final da década de 1980, ainda cobertos pela discriminação das grandes gravadoras que não apostavam neste gênero musical.

 O primeiro álbum saiu pelo selo Zimbabwe Records, cuja praia era música negra, na coletânea Consciência Black. De cara estouraram os hits “Pânico na Zona Sul” e “Tempos Difíceis”. Em 1990 as duas canções sairiam no primeiro disco solo deles, Holocausto Urbano. A escolha do nome do álbum revela a grande consciência política do líder do grupo, Mano Brown (o apelido Brown foi inspirado no ídolo de adolescência e dos bailes de Black Music, James Brown que superlotou o extinto ginásio do Palmeiras, em SP, em 1978, trazido pela equipe Chic Show).

 A grande jogada dos Racionais MC´s é compor letras falando de racismo e miséria na periferia paulistana. Algo que ainda persiste apesar de estarmos no século 21, assim como a violência policial que considera todos os negros suspeitos, mesmo que estejam portando documentos, comprovando sua honestidade.

 Logo os adolescentes e jovens assimilaram a proposta musical do grupo, pois suas canções retratavam a dura realidade que eles enfrentavam e ainda enfrentam ao passar por uma blitz na periferia. Fizeram uma série de shows na Grande SP, dois deles na Febem (atual Fundação Casa). Apesar do rigor das letras, os Racionais MC´s não pregam o crime como padrão de vida, mas a honestidade acompanhada de consciência política, instrumentos eficazes para mudar a sociedade.

                                                           Racismo
 Em 1991 abriram o show do Public Enemy, um dos mais famosos grupos de Hip-Hop dos Estados Unidos, no ginásio do Ibirapuera, São Paulo.  As mensagens dos Racionais os levaram a desenvolver trabalhos direcionados à comunidade pobre, por meio da Secretaria Municipal de Educação, em palestra em escolas sobre drogas, racismo e violência policial.


O final de 1992 marcou o lançamento do álbum Escolha seu Caminho, em 1993 gravaram o disco Raio x Brasil, terceiro do grupo, após participarem do projeto Música Negra em Ação. O lançamento na quadra da escola de samba Rosas de Ouro, na Freguesia do Ó, atraiu público de 10 mil pessoas. É deste CD a inesquecível e talvez as duas das mais famosas canções dos Racionais MC´s, “Fim de Semana no Parque” e “O Homem na Estrada”, autoria de Mano Brown.

 Os dois hits estouraram, conquistando inclusive o coração da crítica e de vários intelectuais. Até hoje o senador Eduardo Suplicy (PT) quando faz discurso no Congresso Nacional a respeito da violência policial, canta trechos de “O Homem na Estrada”. Nessas duas canções Mano Brown retrata a rotina, primeiro, de uma criança pobre na periferia, que pouco mudou até os dias de hoje. Na segunda fala da luta do retorno de um presidiário em voltar aos braços da sociedade, que ainda o discrimina por ter passado vários anos detido.

 O fundo musical de “Ela Partiu”, de Tim Maia, inclusive na introdução, fez de “O Homem na Estrada” a marca registrada dos Racionais MC´s na luta contra a violência policial cometida contra moradores na periferia de São Paulo e do Brasil. O sistema não gostou das críticas e durante concerto realizado no Vale do Anhangabaú, Centro de SP, no final de 1994, princípio de confusão, levou os membros do grupo presos, acusados de incitação à violência.

                                                           Abolição
 Já tinham conquistado o espaço na Black Music do Brasil. Passaram a participar de vários concertos filantrópicos em benefícios de pessoas soropositiva do vírus HIV, campanhas de agasalho e contra a fome, além de atuarem em protestos como o aniversário da Abolição dos Escravos no Brasil.

 O final de 1997 veio com lançamento do CD Sobrevivendo no Inferno, pela gravadora Cosa Nostra, criada por eles. Venderam mais meio milhão de cópias. Logo surgiram inúmeros convites de programas de auditórios populares, como de Gugu Liberato, na época no SBT, de Silvio Santos, entre outros, mas sempre recusados. Os Racionais são conscientes em não aceitar virar massa de manobra nas mãos de programas que fazem o jogo do sistema, interessados cada vez mais na alienação dos adolescentes e jovens brasileiros.

 Colocaram no mesmo balaio algumas rádios, que por causa da audiência, achavam que podiam aplicar sobre o grupo a desonesta cobrança do jabaculê (propina para tocar determinada música de CD de um artista). Mano Brown deixava bem claro que sem ajuda delas, no boca a boca da periferia, os CDs deles vendiam bastante e continuam saindo igual pipoca na porta de cinema.

 É deste CD outras belas canções: “Diário de um Detento” (composta por um presidiário que cumpria pena, na época na extinta Casa de Detenção, bairro do Carandiru, Zona Norte de SP), “Fórmula Mágica da Paz”, “Capítulo 4, Versículo 3” e “Mágico de OZ”.

                                                           Violência
 Este álbum transformou para sempre os Racionais MC´s num maiores grupos de RAP do Brasil, inclusive ganhando adeptos nos Estados Unidos. Conscientes do papel que exercem na periferia, dois membros do grupo, principalmente Mano Brown moram na região de Capão Redondo, Zona Sul paulistana, considerada durante vários anos berço da violência, colocando o Jardim Ângela como um dos locais mais perigosos do mundo na década de 1990.

 Ao receber o prêmio Video Music Brasil, da MTV Brasil, Mano Brown criticou a plateia dizendo que sua mãe, como empregada doméstica já teria lavado as roupas de muitos playboys presentes ao evento. Deixou bem claro que o público dos Racionais MC´s seria sempre os jovens da periferia do Brasil.

 Continuaram vendendo CDs acima da cifra de 500 mil cópias. Ignorando o sistema das grandes gravadoras, eles repassam seus álbuns em bancas de jornais, bailes, clubes, quadras, shows e camelôs. Em 2002 lançaram o álbum Nada Como um Dia Após o Outro Dia, CD duplo, também bem recebido pela crítica. Nele estão outros hits inesquecíveis: “Vila Loka”, “Negro Drama”, “Jesus Chorou” e “Estilo Cachorro”. Quatro anos depois soltaram 1000 Trutas, 1000 Tretas, primeiro DVD do grupo.  Em 2007 participaram da Virada Cultural de São Paulo e o show terminou em pancadaria. Em 2013 voltaram sem conflitos.

 O mês de setembro de 2007 marcou a presença de Mano Brown no programa Roda Viva, exibido pela TV Cultura de São Paulo. Com pouca audiência, a notícia de que a liderança dos Racionais MC´s estaria ali para passar pela metralhadora giratória de vários jornalistas levou mais de 150 mil pessoas, segundo pesquisa do Ibope, a ficarem diante da televisão num dia de semana, após as 22 horas. Entre as perguntas, algumas tentaram ligar as músicas do grupo como incentivo à violência e tráfico de drogas.

                                                            Suspeito
  Com muita sabedoria, inspirada nas vidas de Martin Luther King e Malcom X, Brown negou que as canções dos Racionais MC´s apoiem o crime. Pelo contrário a mensagem é pela honestidade e que o governo responda da mesma forma, em vez de considerar suspeito todo negro residente na periferia. Quanto às drogas perguntou aos jornalistas quantos deles saiam dos jornais e emissoras de televisão para beber cerveja e voltar alcoolizado para casa.

 “O álcool é uma droga tolerada pelo sistema, que mata mais pessoas do que as que eles taxam de ilícitas. Quem é alcoólatra não pode questionar quem usa outros tipos de drogas. Estão no mesmo balaio”, retrucou.  Não contentes mudaram o foco para política, perguntando por que os Racionais MC´s gostam do PT.  Mano Brown respondeu que o governo do PSDB nunca fez nada pela periferia. “Pelo contrário apoia a violência da polícia contra nós. O PT, pelo menos, construiu o CEU (espaço que reúne várias atividades abertos todos os dias em diversos bairros periféricos de São Paulo, inaugurados na gestão da prefeita Marta Suplicy), onde nossas crianças podem brincar”, disse.

 Depois abordaram a questão do racismo, tentando colocar os Racionais MC´s como incentivadores da discriminação contra os brancos no País. Novamente Mano Brown desarmou a bomba. “O negro brasileiro apenas exige o que lhe retiraram dele. Aliás, racismo comete a polícia contra a população da periferia, onde todo negro é suspeito. Nos meios de comunicação também há racismo. Nesta banca de entrevistadores cadê os jornalistas negros?”, questionou.

 Numa viagem aos Estados Unidos, durante jantar oferecido em badalado restaurante de Nova York na companhia de alguns dos mais representativos rappers norte-americanos, Brown criticou a ostentação de alguns deles: “tem muito negro passando fome e vocês desperdiçando comida, esbanjando riqueza, com tanta pobreza na África. É preciso continuar fazendo do RAP ferramenta de transformação, não de ostentação”, finalizou.

                                                          Marighella
 O novo CD, lançado em 2014, traz várias músicas interessantes, uma delas “Mente de Vilão” já faz a cabeça da rapaziada. O mesmo estilo continua de falar da realidade que a periferia vive todos os dias, porém de maneira simples e mais crítica. Pela internet é possível baixar o novo álbum do grupo. Os Racionais MC´s têm marcado diversos shows para este ano, após 11 sem lançar nenhum álbum.

 Pelo visto o quarteto Edi Rock, Ice Blue, Kl Jay e Mano Brown continuará apavorando nos shows, pelos singles: “Tá na Chuva”, “Mulher Elétrica” e “Mil Faces de Um Homem Leal (Marighella)” é possível ver que o novo CD é adrenalina pura, daquela que só mentes racionais podem captar.










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