O Racionais MC´s já entrou para história do RAP mundial |
Luís Alberto
Alves
Quando se fala de RAP no Brasil e até nos
Estados Unidos é impossível deixar de citar Racionais MC´s. Até o nome do grupo
mostra personalidade, numa época em que o emocional domina a razão, e o correto
seria o inverso. Surgiram no final da década de 1980, ainda cobertos pela
discriminação das grandes gravadoras que não apostavam neste gênero musical.
O primeiro álbum saiu pelo selo Zimbabwe
Records, cuja praia era música negra, na coletânea Consciência Black. De cara
estouraram os hits “Pânico na Zona Sul” e “Tempos Difíceis”. Em 1990 as duas
canções sairiam no primeiro disco solo deles, Holocausto Urbano. A escolha do
nome do álbum revela a grande consciência política do líder do grupo, Mano
Brown (o apelido Brown foi inspirado no ídolo de adolescência e dos bailes de
Black Music, James Brown que superlotou o extinto ginásio do Palmeiras, em SP,
em 1978, trazido pela equipe Chic Show).
A grande jogada dos Racionais MC´s é compor
letras falando de racismo e miséria na periferia paulistana. Algo que ainda
persiste apesar de estarmos no século 21, assim como a violência policial que
considera todos os negros suspeitos, mesmo que estejam portando documentos,
comprovando sua honestidade.
Logo os adolescentes e jovens assimilaram a
proposta musical do grupo, pois suas canções retratavam a dura realidade que
eles enfrentavam e ainda enfrentam ao passar por uma blitz na periferia.
Fizeram uma série de shows na Grande SP, dois deles na Febem (atual Fundação
Casa). Apesar do rigor das letras, os Racionais MC´s não pregam o crime como
padrão de vida, mas a honestidade acompanhada de consciência política,
instrumentos eficazes para mudar a sociedade.
Racismo
Em 1991 abriram o show do Public Enemy, um dos
mais famosos grupos de Hip-Hop dos Estados Unidos, no ginásio do Ibirapuera,
São Paulo. As mensagens dos Racionais os
levaram a desenvolver trabalhos direcionados à comunidade pobre, por meio da
Secretaria Municipal de Educação, em palestra em escolas sobre drogas, racismo
e violência policial.
O final de 1992 marcou o lançamento do
álbum Escolha seu Caminho, em 1993 gravaram o disco Raio x Brasil, terceiro do
grupo, após participarem do projeto Música Negra em Ação. O lançamento na
quadra da escola de samba Rosas de Ouro, na Freguesia do Ó, atraiu público de
10 mil pessoas. É deste CD a inesquecível e talvez as duas das mais famosas
canções dos Racionais MC´s, “Fim de Semana no Parque” e “O Homem na Estrada”,
autoria de Mano Brown.
Os dois hits estouraram, conquistando
inclusive o coração da crítica e de vários intelectuais. Até hoje o senador
Eduardo Suplicy (PT) quando faz discurso no Congresso Nacional a respeito da violência
policial, canta trechos de “O Homem na Estrada”. Nessas duas canções Mano Brown
retrata a rotina, primeiro, de uma criança pobre na periferia, que pouco mudou
até os dias de hoje. Na segunda fala da luta do retorno de um presidiário em
voltar aos braços da sociedade, que ainda o discrimina por ter passado vários
anos detido.
O fundo musical de “Ela Partiu”, de Tim Maia,
inclusive na introdução, fez de “O Homem na Estrada” a marca registrada dos
Racionais MC´s na luta contra a violência policial cometida contra moradores na
periferia de São Paulo e do Brasil. O sistema não gostou das críticas e durante
concerto realizado no Vale do Anhangabaú, Centro de SP, no final de 1994,
princípio de confusão, levou os membros do grupo presos, acusados de incitação
à violência.
Abolição
Já tinham conquistado o espaço na Black Music
do Brasil. Passaram a participar de vários concertos filantrópicos em
benefícios de pessoas soropositiva do vírus HIV, campanhas de agasalho e contra
a fome, além de atuarem em protestos como o aniversário da Abolição dos
Escravos no Brasil.
O final de 1997 veio com lançamento do CD
Sobrevivendo no Inferno, pela gravadora Cosa Nostra, criada por eles. Venderam
mais meio milhão de cópias. Logo surgiram inúmeros convites de programas de
auditórios populares, como de Gugu Liberato, na época no SBT, de Silvio Santos,
entre outros, mas sempre recusados. Os Racionais são conscientes em não aceitar
virar massa de manobra nas mãos de programas que fazem o jogo do sistema,
interessados cada vez mais na alienação dos adolescentes e jovens brasileiros.
Colocaram no mesmo balaio algumas rádios, que
por causa da audiência, achavam que podiam aplicar sobre o grupo a desonesta
cobrança do jabaculê (propina para tocar determinada música de CD de um
artista). Mano Brown deixava bem claro que sem ajuda delas, no boca a boca da
periferia, os CDs deles vendiam bastante e continuam saindo igual pipoca na
porta de cinema.
É deste CD outras belas canções: “Diário de um
Detento” (composta por um presidiário que cumpria pena, na época na extinta
Casa de Detenção, bairro do Carandiru, Zona Norte de SP), “Fórmula Mágica da
Paz”, “Capítulo 4, Versículo 3” e “Mágico de OZ”.
Violência
Este álbum transformou para sempre os
Racionais MC´s num maiores grupos de RAP do Brasil, inclusive ganhando adeptos
nos Estados Unidos. Conscientes do papel que exercem na periferia, dois membros
do grupo, principalmente Mano Brown moram na região de Capão Redondo, Zona Sul
paulistana, considerada durante vários anos berço da violência, colocando o
Jardim Ângela como um dos locais mais perigosos do mundo na década de 1990.
Ao receber o prêmio Video Music Brasil, da MTV
Brasil, Mano Brown criticou a plateia dizendo que sua mãe, como empregada
doméstica já teria lavado as roupas de muitos playboys presentes ao evento.
Deixou bem claro que o público dos Racionais MC´s seria sempre os jovens da
periferia do Brasil.
Continuaram vendendo CDs acima da cifra de 500
mil cópias. Ignorando o sistema das grandes gravadoras, eles repassam seus
álbuns em bancas de jornais, bailes, clubes, quadras, shows e camelôs. Em 2002
lançaram o álbum Nada Como um Dia Após o Outro Dia, CD duplo, também bem
recebido pela crítica. Nele estão outros hits inesquecíveis: “Vila Loka”,
“Negro Drama”, “Jesus Chorou” e “Estilo Cachorro”. Quatro anos depois soltaram 1000
Trutas, 1000 Tretas, primeiro DVD do grupo.
Em 2007 participaram da Virada Cultural de São Paulo e o show terminou
em pancadaria. Em 2013 voltaram sem conflitos.
O mês de setembro de 2007 marcou a presença de
Mano Brown no programa Roda Viva, exibido pela TV Cultura de São Paulo. Com
pouca audiência, a notícia de que a liderança dos Racionais MC´s estaria ali
para passar pela metralhadora giratória de vários jornalistas levou mais de 150
mil pessoas, segundo pesquisa do Ibope, a ficarem diante da televisão num dia
de semana, após as 22 horas. Entre as perguntas, algumas tentaram ligar as
músicas do grupo como incentivo à violência e tráfico de drogas.
Suspeito
Com muita sabedoria, inspirada nas vidas de Martin Luther King e Malcom
X, Brown negou que as canções dos Racionais MC´s apoiem o crime. Pelo contrário
a mensagem é pela honestidade e que o governo responda da mesma forma, em vez
de considerar suspeito todo negro residente na periferia. Quanto às drogas
perguntou aos jornalistas quantos deles saiam dos jornais e emissoras de
televisão para beber cerveja e voltar alcoolizado para casa.
“O álcool é uma droga tolerada pelo sistema,
que mata mais pessoas do que as que eles taxam de ilícitas. Quem é alcoólatra
não pode questionar quem usa outros tipos de drogas. Estão no mesmo balaio”,
retrucou. Não contentes mudaram o foco
para política, perguntando por que os Racionais MC´s gostam do PT. Mano Brown respondeu que o governo do PSDB
nunca fez nada pela periferia. “Pelo contrário apoia a violência da polícia
contra nós. O PT, pelo menos, construiu o CEU (espaço que reúne várias
atividades abertos todos os dias em diversos bairros periféricos de São Paulo,
inaugurados na gestão da prefeita Marta Suplicy), onde nossas crianças podem
brincar”, disse.
Depois abordaram a questão do racismo,
tentando colocar os Racionais MC´s como incentivadores da discriminação contra
os brancos no País. Novamente Mano Brown desarmou a bomba. “O negro brasileiro
apenas exige o que lhe retiraram dele. Aliás, racismo comete a polícia contra a
população da periferia, onde todo negro é suspeito. Nos meios de comunicação
também há racismo. Nesta banca de entrevistadores cadê os jornalistas negros?”,
questionou.
Numa viagem aos Estados Unidos, durante jantar
oferecido em badalado restaurante de Nova York na companhia de alguns dos mais
representativos rappers norte-americanos, Brown criticou a ostentação de alguns
deles: “tem muito negro passando fome e vocês desperdiçando comida, esbanjando
riqueza, com tanta pobreza na África. É preciso continuar fazendo do RAP
ferramenta de transformação, não de ostentação”, finalizou.
Marighella
O novo CD, lançado em 2014, traz várias
músicas interessantes, uma delas “Mente de Vilão” já faz a cabeça da rapaziada.
O mesmo estilo continua de falar da realidade que a periferia vive todos os
dias, porém de maneira simples e mais crítica. Pela internet é possível baixar
o novo álbum do grupo. Os Racionais MC´s têm marcado diversos shows para este
ano, após 11 sem lançar nenhum álbum.
Pelo
visto o quarteto Edi Rock, Ice Blue, Kl Jay e Mano Brown continuará apavorando
nos shows, pelos singles: “Tá na Chuva”, “Mulher Elétrica” e “Mil Faces de Um
Homem Leal (Marighella)” é possível ver que o novo CD é adrenalina pura,
daquela que só mentes racionais podem captar.
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