A canção estourou e causou polêmica, pois mexia com um tabu
Luís Alberto Alves/Hourpress
Imaginem a década de 1960, principalmente os
três primeiros anos de Ditadura Militar no Brasil, quando as Forças Armadas
começavam a caça aos opositores, principalmente quem fosse integrante ou
simpatizante dos partidos de esquerda, inclusive do partido comunista.
É neste emaranhado que o sargento Ferreira,
cujo nome de batismo é Martinho José Ferreira, mas ficou conhecido no samba, como
Martinho da Vila, estava quando em 1967 resolveu inscrever a música “Menina
Moça” no III Festival da Record. Para complicar era simpatizante da ideologia
do então Partido Comunista do Brasil, conhecido como partidão.
A canção estourou e causou polêmica, pois mexia
com um tabu: mulheres se casarem depois de manter relacionamento sexual com o
namorado. Mesmo sendo um militar burocrata, onde exercia a função de escrevente
e contador, os colegas de alta patente não demoraram em reconhecê-lo como o
cantor do samba polêmico e de participar de shows no teatro opinião, celeiro de
artistas de esquerda, como Tereza Aragão e o escritor Ferreira Gular entre
outros.
Fome
Logo aumentaram os convites para shows e no ano
de 1970, pediu baixa para se tornar cantor profissional. Motivos não faltavam:
em 1969 estourou nas paradas com o hit “Pequeno Burguês”, onde narra o sufoco
do universitário pobre estudando numa escola particular e a desgastante divisão
entre trabalho e faculdade, tomando trem e ônibus lotados, além de criar os
filhos, sem deixá-los passar fome.
Em 50 anos de carreira, Martinho da Vila, que
foi auxiliar de químico industrial, filho de lavradores, que chegou ao Rio de
Janeiro aos 4 anos de idade e criado na Serra dos Pretos-Forros, é autor de
canções inesquecíveis, como: “Casa de Bamba”, “Quem é do Mar não Enjoa”, “Prá
que Dinheiro”, “Ex-Amor”, “Canta Canta Minha Gente”, “Tribo dos Carajás”, “Disritmia”,
“Brasil Mulato” entre outros.
Foi o segundo sambista a vender mais de 1
milhão de discos com o CD Tá Delícia, Tá Gostoso, lançado em 1995. O primeiro
foi o também carioca, Agepê, em 1984, com 1,5 milhão de cópias do álbum Mistura
Brasileira.
Bahia
Mas qual o segredo de Martinho da Vila para se
manter ainda no auge nestes 50 anos de carreira bem-sucedida? Ele canta o samba
simples, sem frescura, o arroz com feijão, mesclando bons músicos e numa batida
que somente os grandes mestres sabem cultivar. Não é rápido, igual o samba da
Bahia, nem lento igual o de São Paulo, mas com balanço, se encaixando
perfeitamente na sua pequena voz.
Apaixonado pela escola de samba Vila Isabel,
onde entrou em 1965. Ali escreveu vários sambas-enredo, até chegar ao memorável
Kizomba: A Festa da Raça, que garantiu o título de 1988. Martinho da Vila é da
época que samba só tocava nas rádios no Carnaval, sendo ignorado pela
televisão, jornais e revistas durante o restante do ano.
Mesmo assim levantou bandeiras, como a de 1975,
quando gravou um samba ecológico, numa época que não se falava neste assunto,
muito menos nas faculdades. Na letra, ele descrevia o extermínio dos indígenas.
O boicote dos meios de comunicação não barrou o seu sucesso.
O resultado disto apareceu em regravações de
suas canções no Exterior, por causa da versatilidade em criar composições nos
estilos de ciranda, frevo, samba de roda, capoeira, bossa nova, calango, toada
e samba-enredo. Precavido, só 53 anos depois, um general, que foi o seu sogro,
descobriu que ele era simpatizante do comunismo. Qualidade dos grandes militantes,
que sabem driblar as dificuldades para a defesa de uma ideologia.
https://www.youtube.com/watch?v=ObU62GlC7mE
"Menina Moça"
https://www.youtube.com/watch?v=e4bkwbmLwwo
"Kizomba, Festa de uma Raça"